Cultura, Identidade e Tradição
Feiras Livres podem se tornar patrimônio cultural imaterial de Mato Grosso — e Rondonópolis já respira essa tradição diariamente
Cidades
As feiras livres de Mato Grosso, há décadas definidas pelo cheiro de pastel quente, pelo café moído na hora e pelo buxixos das conversas de banca em banca, podem ganhar um novo reconhecimento: o de bem de interesse cultural imaterial do Estado. A proposta está prevista no Projeto de Lei 1299/2025, aprovado pela Assembleia Legislativa em setembro deste ano, de autoria do deputado Dr. João (MDB).
Se sancionada pelo governo estadual, a lei abre caminho para que políticas públicas passem a tratar a feira livre não apenas como um ponto de comércio, mas como um lugar vivo de memória, identidade, sociabilidade e economia popular.
Muito além do simbolismo
A aprovação do projeto cria condições para fortalecer pequenos produtores, valorizar a cultura alimentar regional e proteger manifestações que fazem parte do cotidiano de milhares de famílias mato-grossenses.
Cuiabá e Barra do Garças já avançaram antes mesmo da legislação estadual:
Em Cuiabá, a Lei 7.314/2025 reconhece as feiras como patrimônio cultural imaterial do município.
Em Barra do Garças, a Lei 5.034/2025 garante o mesmo reconhecimento.
Já cidades como Várzea Grande, Rondonópolis, Sinop e Primavera do Leste ainda não contam com normas municipais consolidadas sobre esse patrimônio — o que pode mudar com o impulso do Estado.
Rondonópolis: onde a feira virou ponto de encontro, renda e memória
Nas manhãs e noites da cidade, é fácil perceber o porquê das feiras serem consideradas patrimônio vivo. Rondonópolis mantém uma rotina intensa de feiras de segunda a domingo — cada uma com suas figuras, sabores e histórias.
Entre as barracas coloridas, o cheirinho de pastel que atravessa madrugadas, as bancas de frutas frescas, os timbres da viola, artesanato, produtos indígenas e uma infinidade de sotaques, se reconhece ali um retrato fiel da cidade que cresce sem perder suas raízes.
Nas feiras, o passado e o presente se encontram:

D. Maria artesã e feirante
famílias que passam o ofício de geração em geração, agricultores que abastecem a cidade com o que plantam, artesãos que encontram na criatividade o caminho para a renda e para a cura — como no caso de Dona Maria, feirante há mais de 30 anos, que viu no artesanato uma saída para vencer uma depressão profunda.
“O artesanato me curou. É conversar, fazer, olhar… fica tudo mais leve, cheio de cor”, contou.
Ou como Sueli e a filha Beatriz, moradoras do Assentamento Padre Josimo, onde a produção familiar vira renda direta na feira. A tradição começou na Bahia, passou pelo interior de Mato Grosso e hoje se mantém viva na banca da família.
ASFERO: a força de quem mantém a tradição de pé
A Associação dos Feirantes de Rondonópolis (ASFERO) reúne entre 13 e 15 feiras ativas por semana e segue crescendo.

Luiz Cláudio Presidente Asfero
O presidente Luís Cláudio Martins, reeleito para o mandato 2025–2028, lembra que a entidade completou 39 anos e que há mais de 70 pessoas aguardando para conseguir uma banca oficial.
Segundo ele, Rondonópolis terá em breve mais uma feira coberta, desta vez no Jardim Atlântico, um sonho antigo dos moradores e feirantes. Atualmente, apenas três feiras possuem estrutura fixa:
- Conjunto São José (quinta-feira)
- Vila Aurora (sexta-feira)
- Vila Operária (domingo)
Além dessas, surgem também as “feiras de rua”, organizadas por moradores de bairros. A ASFERO não interfere — a feira, afinal, “pertence ao povo”.
Feiras de Rondonópolis – onde e quando acontecem
A Poguba Comunicação Integrada fez um levantamento preliminar reunindo os principais pontos da semana:
SEGUNDA – Coophalis; Vila Olinda/Pedra 90; Alfredo de Castro; Pindorama
TERÇA – UFR; Vila São Francisco; Lar dos Idosos; Monte Líbano; Padre Lothar
QUARTA – Jardim Participação; Parque São Jorge; Santa Cruz; Pindorama (manhã); Residencial Magnólia
QUINTA – Conjunto São José; Verde Teto; Jardim Morumbi; Granville
SEXTA – Vila Aurora; Buriti
SÁBADO – Jardim Atlântico; Praça Pôr do Sol; Parque Universitário; Jardim Brasília; Escola D. Wunibaldo
DOMINGO – Vila Operária; Vila Salmen
Infraestrutura e acolhimento: feiras que evoluem junto com a cidade
Algumas feiras de Rondonópolis já contam com estruturas elogiadas pelo público:
tendas amplas, banheiros químicos, acessibilidade, bebedouros e lixeiras distribuídas estrategicamente. O ambiente organizado reforça o que as feiras sempre foram: um ponto de encontro da cultura, da gastronomia, da memória e do comércio popular.
O futuro das feiras em Mato Grosso
Se o PL 1299/2025 virar lei, as feiras poderão acessar novos caminhos:
linhas de financiamento cultural
capacitação profissional
campanhas de valorização do consumo local
melhorias de infraestrutura
ações de turismo gastronômico
inclusão em políticas de economia solidária
Para o feirante, isso significa reconhecimento.
Para o consumidor, significa acolhimento, organização e pertencimento.
No fim, o Estado envia um recado claro:
as feiras livres não são apenas um mercado improvisado — são patrimônio vivo, guardiãs da memória do povo e espaço de identidade coletiva.
Cidades
Filhote jogado no lixo é salvo por garis e comove moradores de Rondonópolis
Em Rondonópolis, onde as histórias do dia-a-dia se cruzam com a correria da cidade grande e a simplicidade de bairro, uma cena triste amanheceu falando mais alto que o barulho dos caminhões de coleta. Um filhote de cachorro, pequeno demais para entender a maldade do mundo, foi encontrado dentro de um saco de lixo, prestes a ser triturado junto com os resíduos da manhã.
A cena aconteceu nesta sexta-feira (09), no bairro Alfredo de Castro. Os coletores faziam a rotina de sempre — aquele trabalho duro e indispensável — quando um barulho diferente chamou atenção. Um chorinho abafado, tímido, insistente, vinha de uma das sacolas deixadas na calçada.
Antes de lançar o saco para dentro do caminhão, um dos garis decidiu conferir. E ali, escondido entre restos de comida e embalagens, estava o filhotinho, assustado, tremendo, mas vivo.
Uma vida inteira jogada fora — literalmente — mas recuperada pela sensibilidade de quem trabalha todos os dias lidando com aquilo que a cidade descarta.
O animal foi retirado às pressas, limpo e acolhido pelos próprios coletores, que interromperam o serviço para garantir que o pequeno tivesse ar, água e um pouco de carinho.
A equipe relatou que, se o caminhão já estivesse em movimento, não daria tempo para o salvamento.
O resgate emociona porque revela o contraste de dois extremos: alguém que descartou uma vida como se fosse lixo, e trabalhadores que, mesmo com a rotina exaustiva e o relógio correndo, escolheram proteger o indefeso.
O caso reacende debates antigos, mas sempre necessários, sobre maus-tratos e abandono de animais em Rondonópolis. Em uma cidade que cresce rápido, ainda é comum ver cães e gatos sendo deixados para trás — alguns encontrados em caixas, outros amarrados em terrenos vazios, e, como hoje, dentro de sacos de lixo. Cada história carrega um pedido silencioso por mais humanidade.
O filhote, que por pouco não teve a vida interrompida, agora está sendo acompanhado pelos profissionais que o resgataram. A intenção é que ele receba atendimento veterinário e, em seguida, seja encaminhado para adoção responsável — longe de qualquer risco e perto de quem entenda o valor de cuidar.
Enquanto isso, fica o apelo à população: maus-tratos são crime, e não existe justificativa para este tipo de crueldade. Denunciar pode salvar vidas — literalmente.
Hoje, no meio da pressa da cidade, três garis pararam o mundo por alguns minutos para ouvir um pedido de socorro que quase passou despercebido.
E graças a eles, Rondonópolis ganhou não só um resgate, mas um lembrete poderoso: ainda existe gente que escolhe o lado certo da história.